Para alguns uma máquina repugnante, aterrorizante, nefasta. Para outros a manifestação da paixão, do design e tecnologia. Quão controverso é o veículo que amamos?

 

Quase todas as vezes que eu ando de moto eu penso: que veículo esquisito este aqui, duas rodas, uma na frente da outra, uma sela mequetrefe com regulagens módicas – mesmo nos modelos mais sofisticados, montada sobre um motor quente com um punhado de comandos para te levar ao ar livre em alta velocidade mundo afora sem qualquer proteção. É no mínimo uma ideia espartana, talvez maluca. Certamente, se a moto nunca tivesse existido e fosse inventada hoje, ela seria proibida. Não resta dúvida! Sem proteção, sem para-choques, sem air-bags, sem teto, sem cinto de segurança, blá blá blá…

 

Um meio de transporte tão irracional, que necessita das duas mãos, dos dois pés, da sua visão e audição. Há algum método melhor para fazer alguém ter foco no que está fazendo? Você está literalmente tomado pelo processo de pilotagem.

 

Felizmente, a moto já existe e pudemos conquistar nosso espaço no mundo, mesmo que alguns ainda olhem estranho quando você está de moto, principalmente quando um rapaz jovem encosta uma moto pela primeira vez na casa dos pais de sua namoradinha para levá-la para passear. “Como a vida poderia ter sido mais cruel?”, pensavam os pais e mães dessa garota. Já não basta o perigo do veículo em si, mas também toda a intimidade que a posição exige e toda a aura de ilegalidade e libertinagem que a moto evoca há décadas. Andar de moto é um ato de rebeldia, um questionamento dos valores culturais e uma atitude heroica para enfrentar grandes distâncias. Viajar de moto é o equivalente moderno de um cavaleiro medieval. Os príncipes andavam em cavalos melhores, os bandidos em cavalos mais rápidos e o mocinho em cavalos inteligentes, mas você nunca viu um protagonista que andava de carroça. Viu?!

 

Acho que está explicado, a moto traz consigo um aspecto cultural de força, beleza, agilidade e perícia. O motociclista põe em prática os sonhos mais apimentados dos acomodados de pantufa e calça de moletom sentados num sofá em frente à TV. Nós somos a prova de que sonhar e realizar é possível e relativamente seguro.

 

Sabemos na ponta da língua o inventor da lâmpada, do avião, do telefone, mas não ao certo o inventor da moto. Mas, eu devo um fraternal abraço nesse sujeito, creio que ele estava imbuído mais de paixão do que razão na concepção do estranho objeto, paixão essa que encontrou espaço e combustível de alta octanagem na mente dos que vieram depois, um bando de psicopatas que desenvolveram as formas mais elegantes e perfeitas sobre duas rodas. Artistas engenheiros, ou engenheiros artistas, gastam horas e horas de suas vidas para alegrar a nossa, e nós carregamos a bela tarefa de realizar sonhos e na maioria das vezes alegrar a vida dos outros. Temos uma multidão de fãs; frentistas, caminhoneiros, crianças… fora os cachorros, que querem até tirar um pedaço de nós!

 

Sabe quando paramos nossas motos nos acostamentos mundo afora e alguém passa buzinando em festa? Aquilo quer dizer: “Você está vivendo meu sonho!”

 

Então cumpra seu papel social e pilote, porque o mundo precisa de mais inspiração.